Ideias, mercado de trabalho, projetos em tecnologia e comportamentos pautaram as palestras
Maior evento sobre arquitetura e design, o Connectarch Summit chega à segunda edição reunindo grandes referências da arquitetura, design, comportamento, inovação, criatividade e outros temas ligados à atualidade. Toda a programação é organizada pelo programa de relacionamento das marcas Eliane e Decortiles para arquitetos e designers. Sob o comando do arquiteto e apresentador Renato Mendonça e da jornalista Chris Campos, a edição deste ano inovou ao trazer comentaristas no palco para fomentar debates relacionados aos assuntos tratados pelos palestrantes. No segundo dia, os comentários ficaram por conta do arquiteto Nicholas Alencar.
Futuros Possíveis, tema que norteou as palestras do segundo dia (11), trouxe o doutor em Cosmologia Luiz Alberto Oliveira que abriu a noite de palestras falando sobre “Futuros incertos, possíveis e desejáveis”. Luiz trouxe reflexões sobre as incertezas e como tais percepções podem ser cruciais para o futuro. “A única certeza que teremos é que o incerto irá ocorrer e nos encontraremos com ele.” Em um paralelo com o presente, o questionamento mais que pertinente sobre o futuro, Oliveira afirma que nossas ações é que vão delinear o futuro e traça um comparativo com uma estrada. “O futuro não é uma estrada, o futuro é construído de acordo com as nossas escolhas, então devemos pensar o futuro como possibilidades, como uma estrada com bifurcação. É possível escolher qual lado seguir e essa escolha vai direcionar o futuro.”
Amigo de longa data do mestre Oscar Niemeyer, o cosmologista, em um lapso saudosista, trouxe um questionamento feito por ele a Niemeyer: “Como você cria?” A resposta, dada em prontidão, segue ainda hoje em sua mente: “Busco sempre o inesperado.” E é com o inesperado, que segundo Luiz, é possivel converter possibilidades em probabilidades, criando assim um futuro desejável. “O inesperado faz parte de um tipo de operação que faz com que algo meramente possível se torne real e a arquietura ‘oscariana’ que tem como premissa fazer com que o usuário seja frequentemente surpreendido, é muito boa nisso.”
Cidades – organismos vivos
Na sequência, o tema ‘Future in Motion’ foi abordado pela futurista Daniela Klaiman e pela cientista especializada em pesquisa e comportamento de consumo, Andrea Bisker, à frente da Spark: off Brasil. Em total consonância, ambas afirmam que os futuros não existem, pois nós os fazemos hoje e com base no conceito de ‘protopia’ – que não é o futuro perfeito, mas o futuro que a gente faz hoje – Andrea e Daniela pontuam que tudo o que estamos vivendo é resultado de nossas ações e, por isso, precisa-se repensar atitudes e desenvolver soluções que possibilitem a continuação da vida humana na Terra. Com base nessa premissa, para elas, o projeto de Smart City ganha protagonismo e passa a ser pedra fundamental para a existência. “Usar a tecnologia para melhorar os centros urbanos e deixá-los mais eficientes com o objetivo de trazer bem-estar e transformar a vida das pessoas, é hoje fundamental”, pontua Andrea, que provoca os profissionais de arquitetura e design ao dizer que “na protopia, os arquitetos podem fazer a diferença.”
Para ambas, é imprescidível que a arquitetura repense moradias e modo de viver, e questionam: “Como a arquitetura vai ajudar essa geração – aqui se referem aos baby boomers – que pode viver até 100 anos? São pessoas que terão problemas de mobilidade, de memória. Essa geração vai querer morar próxima de outras pessoas, e a arquitetura precisa olhar para isso, começando a construir mini-cidades para a comunidade de colonos de prata (cabelos prateados).”
Daniela, por sua vez, expõe a fragilidade humana em um futuro bem próximo que precisa ser tratado com atenção: “Como serão as grandes cidades?” Ela mesma responde: “As pesquisas falam que as cidades precisam ser flexíveis, pois são como organismos vivos.” Pensando nisso, ambas concordam que a arquitetura se faz necessária, principalmente quando a pauta não é só sustentabilide, mas regeneração, enfatizando a biomimética nas fachadas de prédios, a construção de comunidades flexíveis com espaços multigeracionais, pois, explicam, as pessoas não estão sendo obrigadas a morar junto, mas moram porque querem estar juntas umas das outras. Neste contexto, a vida passa a ser compartilhada, pois “o grande desafio vai ser combater a solidão e a arquitetura pode ajudar e fazer as pessoas se encontrarem, criando espaços de conexões”, finalizam.
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“Nem tudo precisa ser predatório”
Na palestra ‘Building the future of business (with purpose)’, Lisiane Lemos, Forbes Under 30 em 2017 e uma das principais lideranças jovens do país, desmisitifca que ter propósito é ter algo grandioso. Para ela, ter propósito é impactar a realidade de alguém. “Não tem sensação melhor do que transformar a vida das pessoas.” Advogada por formação e especialista em tecnololgia, Lisiane é membro do conselho consultivo do Fundo de População das Nações Unidas, Kunumi AI, e do conselho emérito do Capitalismo Consciente Brasil. E, falando em Capitalismo Consciente, Lisiane explica que sim, ele existe. “Nem tudo precisa ser predatório. Enquanto a gente existe, há um ecossistema ao redor. Temos que nos preocupar com o impacto das nossas ações e com nossos clientes, e viver em harmonia com o meio.”
Mas, não é só o meio, são pessoas também. “Os modelos de negócios eram de uma forma antes da pandemia, agora é outra e é possível levar ‘toque’ humano por meio da tecnologia, mas para que isso funcione, para que possamos construir tecnologias que mudem a vida das pessoas, temos que entender as pessoas e suas histórias.” Para ela, cada um traz sua bagagem e é com base nela que cada qual constrói sua trajetória, mas algumas coisas continuam iguais como a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Contudo, algumas mudanças já estão ocorrendo como a horizontalidade dentro das empresas. “A hierarquia é um valor que tem sido desmistificado. Os novos modelos de negócios estão cada vez mais lineares. Não é questionar a autoridade de uma chefia, mas apontar outros caminhos e interagir com os gestores de uma forma mais ágil. Entendo que a gente cresce a partir da experiência do outro.”
Encerrando sua partipação no evento, o assunto diversidade é um dos pontos relevantes de sua fala. “A solução hoje tem que ser mobile, tem que ser plural sob a ótica de gênero e pessoas com deficiência.” Ela explica que é preciso adaptar o modelo operacional e construir uma mentalidade além da crise, pois ela vai acabar. “É preciso focar no futuro, pois o futuro é amanhã, mas é o mês que vem também e, hoje, somos cinco gerações no mercado de trabalho. Por isso é preciso inovar e a inovação começa sempre por pessoas. Se as pessoas não estiverem em primeiro lugar, nenhuma transformação vai funcionar.” E finaliza: “a diversidade é um motor de inovação.”
Natureza
Fechando a noite de palestras, um dos nomes mais importantes da arquitetura internacional, Dror, abordou o tema “The future of ecological harmony”. O designer, pensador, inventor e futurista, cuja engenhosidade resulta em uma gama impressionante de trabalhos não convencionais comoventes, afirma que “é preciso trabalhar através de várias disciplinas, pois o mundo está mudando, de novo. Tem alguns pontos críticos e como designers ou pensadores, precisamos dar apoio a essas necessidades que são muito importantes para nossas vidas e nosso planeta.” Em um panorama nada animador, Dror traz dados urgentes para uma reflexão. “Em trinta ou quarenta anos, vamos dobrar. É muito difícil, mas precisamos pensar nas densidades urbanas. Um problema massivo e somos parte disso, por isso, essa vida urbana tem que mudar. Precisamos parar com essa loucura, não dá para continuar com esse tipo de sistema. Precisamos sim, construir mais casas, mas precisamos encontrar outra forma.”
O designer acredita que tudo tem que estar em conjunto, reinventar novas formas, mudar as motivações e trabalhar entendendo o que acontece a curto e longo prazo. “Usamos mal a sustentabilidade. Precisamos pensar o que significa viver em harmonia com a natureza e podemos achar a solução, o equilíbrio.” Ele aposta no objetivo de encontrar uma tipologia que não seja apenas a construção por si só, mas algo que se espelhe na natureza. “A natureza se organiza muito bem em células. Podemos conseguir a mesma densidade, reduzindo a quantidade de estradas se usarmos o formato de células. Os carros, por exemplo, vão transitar mais facilmente nesse modelo.”
Uma lógica celular tem várias formas diferentes, podem ser retângulos, quadrados, mistura de formas com vegetação. É possível adaptar situações do terreno e é muito fácil fazer isso com o sistema celular, além da questão emocional, segundo Dror. “Quando organizada em forma celular, se tem igualdade, compartilhamento e cria-se relacionamentos. Por isso é tão importante pensarmos a respeito do fluxo nessas construções.” Para ele, a forma linear a qual estamos inseridos, “é muito chata”, e explica que a forma celular não se trata apenas da lógica estrutural, mas de aprender com a natureza, por isso avaliam a posição do sol e dos ventos antes de construir. “Trata-se da melhoria do comportamento congnitivo na qual é possível aumentar a produtividade devido aos estímulos que a natureza tem sobre o nosso cérebro.”
É urgente construir melhor, mais rápido e mais barato, segundo o arquiteto, mas, para isso, alguns hábitos precisam ser esquecidos. “Temos hoje melhorias tecnológicas incríveis que permitem nos ajudar nos processos fabris, mas creio que estamos numa crise de imaginação. Temos que utilizar as novas tecnologias para criar coisas com elas. Criar formas complexas e mais interessantes, porque continuamos a fazer coisas com as mesmas abordagens. Uma das coisas que aprendemos nesse tempo é que estar na natureza nos faz sentir bem, nos faz sentir mais equilibrados, melhores consoco. Chegamos ao ponto de que muitos de nós está cansado de tantas inovações tecnológicas. Não estou dizendo que não devemos evoluir tecnologicamente, mas não podemos esquecer que somos parte da natureza.”
Por Ju Vilela
Imagem: Divulgação
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