A maturidade da arte nos traz novas reflexões. Da euforia do progresso vertiginoso, da multiplicação dos arranha-céus, do boom da utilização de novos materiais e possibilidades, a qualificação profissional que envolve pesquisa, dedicação e expressão da alma do artista, nos chama a atenção a contemporaneidade intrínseca em cada traço e formas de suas peças. Daquele menino paulista que cresceu enquanto nos bairros ainda haviam casas, e estas casas tinham almas, e que brincava livremente nas ruas da capital, à consagração de um artista inconfundível e exploratório das experiências da humanidade. O provocativo Duda Rosa, é o artista entrevistado desta edição da Revista USE DESIGN para a seção Novos Rumos. Um presente especial para todos nós, leitores e apreciadores da arte moderna, intensa, e acima de tudo que nos desperta para uma experiência visual surpreendente.
USE DESIGN: composição familiar, fale sobre sua infância e amigos. A importância destes em seu processo criativo e nos mais de 20 anos de carreira.
Duda Rosa: paulistano de uma família de italianos e portugueses, nasci no bairro da Bela Vista onde vivi somente até os 2 anos. Mudei para um tradicional bairro de São Paulo onde tive uma rica infância com muita liberdade como todo bom menino de classe média nos anos 70… lindos tempos aqueles em que os bairros tinham casas e casas tinham alma. Amigos, frutas no pé, guerra de mamona, pega-pega, esconde-esconde, polícia e ladrão, carrinho de rolimã, peão, taco, bicicleta, futebol, alguns ossos fraturados, pés no chão, joelhos e cotovelos ralados e uma imensa alegria e energia que pulsavam incansavelmente. Essa importante fase de nossa existência influencia definitivamente nosso caráter e potencializa nossa personalidade criativa. Não só na arte mas como também na vida, percebo a presença dessa experiência de felicidade se manifestando continuamente.
USE DESIGN: o que retratava sua primeira obra? Conte-nos sobre este momento de sua vida.
Duda Rosa: Minha primeira obra chamava-se “Intersecções” e já trazia a geometria pura representada em elipses que se entrecortavam gerando um curioso efeito de volume que depois veio a ser matéria prima de muitas outras obras de uma série que chamei de “Ludimetria”. Percebi nesse instante que pulsava em meu inconsciente a necessidade da representatividade da forma-pensamento através da geometria. Mergulhei nesse universo sensorial interno, onde as imagens se formavam no pensamento, e me aprofundei nos estudos práticos para expandir e dar forma a toda a potencialidade de ideias e intenções que se desenhavam em meu interior.
USE DESIGN: pontue fases marcantes e atualidades de sua carreira e sobre os novos rumos da arte em sua vida.
Duda Rosa: iniciei meus contatos com o universo da criação nos anos 80 criando desenhos para serigrafia. Nessa convivência com a prancheta, pincéis e canetas de nanquim, iniciei meus trabalhos de artista gráfico onde atuei por quase 20 anos fazendo trabalhos para diversos segmentos como agências de publicidade, veículos de comunicação e mercado fonográfico. Em 1998, em meio a uma crise de mercado e pessoal, decidi iniciar minhas experiências artísticas criando trabalhos em serigrafia onde já tinha experiência e comecei a produzir e comercializar minhas primeiras gravuras serigráficas ainda sem muita pretensão. A curiosidade e a sedução libertária desse novo momento, levaram-me as primeiras experiências na arte abstrata. Intuitivamente peguei maços de estopa, abri várias latas de tinta e em um momento catártico de movimentos vigorosos das mãos com as estopas embebidas nas tintas de cores fortes e vibrantes, avancei sobre chapas de PVC iniciando uma série de obras gestuais onde os volumes, a vibração das cores, suas misturas e nuances de infinitas possibilidades, me levaram a uma imersão nesse novo universo pictórico até então desconhecido. Sobrevivi dessa série por um período até que um acontecimento mudou totalmente a trajetória de minha carreira. Uma cliente me pediu uma obra geométrica sob encomenda e tive que parar tudo e pensar em algo para atender aquele pedido, afinal, eu precisava sobreviver do meu trabalho e pagar as contas com o ofício escolhido. Esse instante foi o marco que considero o início de minha carreira profissional. Desafio aceito, lá fui eu me aventurar e testar minha capacidade criativa. Lembrei dos tempos de prancheta e nanquim para voltar ao PB (Preto e Branco), iniciando meus trabalhos geométricos. Fiz a tal obra e para minha surpresa ficou muito interessante despertando um novo caminho em meu inconsciente. Recortada em adesivo na ponta do estilete e aplicado a uma chapa de madeira, essa obra deu início a uma séria que chamei de “Ludimetria”, geometria lúdica, da qual imagino ter feito mais de 200 trabalhos em quase 10 anos. De fato, foi uma criação intuitiva o que mais tarde vim a compreender tratar-se dos preceitos da Op Art. Em 2008, a inquietude levou-me a novas experiências com a sobreposição de camadas e elementos geométricos. Momento de novos desafios e cabeça fervendo para atingir resultados surpreendentes e avançar para a sedimentação e consolidação da minha linguagem artística. Novamente o “parto a fórceps” arrancou de mim a necessidade da renovação e o início da série de obras cinéticas que chamo de “Movimetria” – arte em movimento. Essa série representou um enorme salto em meu trabalho e carreira, personificando definitivamente minha conceituação artística da qual vivo, sobrevivo, me preencho, me esvazio e realizo até hoje.
USE DESIGN: conte-nos sobre as técnicas empregadas em suas obras.
Duda Rosa: as obras são construídas através da criação e repetições de padrões geométricos. A intersecção e a contraposição desses padrões em camadas proporcionam os efeitos ópticos. Os estudos se iniciam com cálculos aritméticos transformados em traços no papel em uma primeira fase. Esses desenhos são digitalizados, vetorizados e através de um processo de fine art, digicromia, são revisados minunciosamente em cada etapa e transportados para chapas de metacrilato montadas em camadas. Outras intervenções invariavelmente são utilizadas no processo tais como, colagens, aerografia e serigrafia.
USE DESIGN: qual a essência de suas obras e suas principais temáticas.
Duda Rosa: a “Arte Cinética” é uma das mais importantes e criativas manifestações artísticas da história. Ela é a expressão da relação entre as artes visuais e a ciência. Tem como proposta o movimento na estruturação da obra, não necessariamente sendo produzido de forma física, mas a forma mais explorada está diretamente ligada ao movimento do observador desencadeando a transformação do trabalho. A interatividade é o foco. Trata-se de uma obra que, pela interação, mude tanto ela mesma como também algo no comportamento do espectador. A liberdade autoconcedida dentro da arte cinética, permite criar imagens abstratas e figurativas que remetem a um mergulho em uma fascinante experiência sensorial, apresentando a obra como um objeto móvel, que não apenas traduz ou representa o movimento, mas está em movimento.
USE DESIGN: conte-nos sobre os seus projetos em desenvolvimento.
Duda Rosa: nesse momento estou criando séries que trarão grandes novidades. Estão nascendo obras tridimensionais volumétricas, esculturas cinéticas de grandes formatos em aço carbono, hastes de alumínio, espelhos, obras motorizadas, obras com efeito lenticular e prismático, além de uma nova série onde a matéria prima será a luz gerando intensos e hipnóticos efeitos ópticos. Esse momento de abundante fertilidade criativa poderá ser conferido em uma grande exposição individual que estou preparando para o ano que vem.
USE DESIGN: a arte é passível de inovação? Como você vê essa questão nos tempos atuais?
Duda Rosa: não sei se a compulsividade pela tal inovação é de fato tão pertinente ao universo das artes. Vejo um comportamento quase predatório em busca de novas “novidades inovadoras”, com o perdão do trocadilho. Me parece que em tempos de consumo exacerbado, tudo é “antropofagilizado”, devorado, consumido e descartado com uma velocidade desenfreada e desatenta a questões mais sutis da criação. Sinto que é necessária uma reflexão sobre a pressa e a euforia ávida sobre os processos criativos e seus consequentes resultados estéticos e conceituais. Pessoalmente, acho que muitos caminhos já foram percorridos e devem ser observados, respeitados e contemplados para a estruturação de novos trajetos em busca da solidificação da personalidade artística. Em meus processos, respeito o tempo, o silencio e a quietude que pra mim são necessários para o amadurecimento criativo. A opção pela carreira artística vem também pela necessidade de me fazer senhor do meu tempo e o exercício constante da liberdade proporcionada, além da necessidade da materialização de minhas impressões e expressões percebidas no campo sutil da percepção humana de forma lúdica e provocativa.
USE DESIGN: de forma geral, como você vê o momento cultural atual?
Duda Rosa: penso que apesar das equivocadas e frágeis políticas públicas para o universo cultural e educativo, a arte se sobrepõe as dificuldades sociais e econômicas mesmo em países subdesenvolvidos como o Brasil e tantos outros. A produção artística parte do indivíduo e seu caminho pessoal. Ao olharmos nosso panorama neste momento, mesmo com crise econômica, de identidade, falta de recursos e incentivos, os artistas, músicos, atores, escritores, bailarinos, diretores de cinema, roteiristas e todos que formam nossa cadeia de identidade cultural, estão trabalhando e atuando com dedicação e seriedade em seus universos pessoais e gerando material de alta qualidade e expandindo, na medida do possível, suas histórias e reflexões legitimando as impressões de seu tempo e sua existência. De qualquer forma e apesar de nossas mazelas, a arte e seus heroicos operários cumprem bravamente seu papel de trazer beleza, delicadeza, impacto, verdade e principalmente questionamentos as nossas vidas.
USE DESIGN: opinião: como a arte está presente na vida das pessoas?
Duda Rosa: não penso que a arte esteja mais ou menos presente circunspectamente nesse ou naquele grupo. Não mais se restringe as galerias, museus, bienais e exposições restritivas. Ela está em todos os lugares o tempo inteiro e à disposição de todos. Nos grafites das grandes cidades, na beleza da arquitetura, nas mídias sociais, nos celulares, no rádio do carro, na Sinfônica de Heliópolis, nas ações comunitárias que envolvem arte-educação, na vida das pessoas que as criam e das que as consomem estabelecendo um intenso movimento de troca e constante transformação. Desde uma criança de colo a um idoso, seja lá de qual camada social, a arte esteve, está e sempre estará presente no universo consciente e inconsciente da humanidade. É nela que se abastece e perpetua.
SOBRE DUDA ROSA
Por Redação Grupo Multimídia
Imagens: Divulgação