Como transformei a madeira na minha linguagem e construí uma trajetória no design autoral

Quando revisito minha trajetória, percebo que a transição da educação física para o design não representou uma ruptura, mas uma continuidade. Antes de trabalhar com madeira, atuei por mais de dez anos como personal trainer, em academias e residências, experiência que me ensinou a observar comportamentos, rotinas e necessidades individuais. Essa escuta ativa me acompanhou quando passei a criar móveis e objetos pensados para dialogar com o cotidiano das pessoas e com a forma como cada uma ocupa seus espaços.

Meu interesse pelo trabalho manual não surgiu junto da carreira no design. Desde jovem, sempre me dediquei a atividades artesanais e, ao longo da vida, mantive o hábito de recuperar objetos antigos restaurados. Esses exercícios com peças marcadas pelo tempo despertaram em mim a consciência da madeira como matéria viva. A restauração me ensinou a reconhecer texturas, imperfeições e histórias presentes em cada fragmento de material, percepção que mais tarde se tornaria central no meu método de criação.

A mudança profissional ocorreu quando decidi assumir esse caminho de maneira definitiva. Aos 38 anos, busquei formações em áreas que ampliaram minha visão estética e técnica, incluindo design de interiores, paisagismo e restauração de móveis e objetos. Esses aprendizados me ajudaram a compreender proporção, composição, iluminação e harmonia entre interior e exterior, elementos que hoje integram minha abordagem no desenvolvimento de peças e na curadoria de ambientes.

Ao ingressar de fato no universo do design, encontrei espaço para unir criatividade, técnica e sensibilidade. A partir de 2014, passei a produzir mobiliário autoral em madeira maciça, sempre de forma totalmente artesanal. Cada etapa, da escolha da madeira ao acabamento final, é realizada por mim. Escolho materiais que preservam texturas naturais e utilizo processos manuais como lixamento cuidadoso, aplicação de ceras e óleos naturais e técnicas que realçam veios e tonalidades. Evito intervenções que mascarem imperfeições, pois entendo que cada marca faz parte da história do material.

Com o tempo, essa forma de trabalhar evoluiu para um método próprio. Observo o ambiente, converso com o cliente e analiso hábitos e necessidades antes de iniciar qualquer desenho. Essa relação entre comportamento, funcionalidade e estética tem origem na fase em que trabalhei diretamente com pessoas na área de saúde. Assim como ocorria na educação física, meu processo criativo se apoia na compreensão de quem está diante de mim e de como aquela peça integrará a rotina de uso.

Minha atuação se expandiu para projetos residenciais de pequeno e médio porte. Trabalhar com interiores ampliou meu olhar sobre composição e me permitiu explorar a integração entre móveis autorais, elementos naturais e o estilo de vida dos moradores. A formação em paisagismo fortaleceu essa conexão ao mostrar como ambientes podem ganhar organicidade quando materiais naturais se integram ao espaço de forma equilibrada.

Assumir todas as etapas de produção também significou desenvolver um ritmo próprio de trabalho, apoiado no tempo necessário para que cada peça alcance o resultado desejado. Quando atuo com colaboradores temporários, organizo cada etapa de produção, defino funções e acompanho o desenvolvimento das peças, assegurando a permanência dos padrões de qualidade que estabeleci.

Hoje, minha identidade profissional é resultado dessa trajetória híbrida. A escuta humana da educação física, a restauração de objetos antigos, a formação técnica diversa e a relação profunda com a madeira moldaram minha linguagem estética. Produzo móveis autorais que preservam a autenticidade da matéria-prima e priorizam formas orgânicas, textura sensorial e funcionalidade. Meu método combina experiência prática, sensibilidade estética e entendimento do cliente, criando peças que dialogam com a vida cotidiana e com a natureza.

Construir essa carreira foi um processo de reconhecer que a madeira é mais do que material de trabalho. Ela se tornou a forma pela qual interpreto histórias, transformo espaços e desenvolvo projetos que carregam identidade e propósito. Cada peça que produzo reflete a união entre técnica, tempo e sensibilidade, elementos que definem o caminho profissional que escolhi construir.

Sobre Karla Ribeiro Dias

Karla Ribeiro Dias é designer de móveis e marceneira artesanal com mais de dez anos de atuação na criação de peças autorais em madeira maciça. Formada em Educação Física pela UNIRP em 2002, desenvolveu ao longo da carreira uma escuta atenta e foco no bem-estar, características que hoje se refletem no seu trabalho manual. Após conduzir diferentes negócios e aprofundar o interesse por técnicas artesanais, concluiu cursos de Design de Interiores com ênfase em Paisagismo e de Restauração de Móveis e Objetos, fortalecendo sua base técnica e sensibilidade estética.

Desde 2014, dedica-se à marcenaria autoral produzindo mesas, aparadores, bancos e objetos decorativos criados manualmente em processos que realiza integralmente. Karla seleciona cada madeira individualmente e preserva suas formas naturais, veios e texturas, incorporando esses elementos à identidade das peças. Seu trabalho une precisão técnica, acabamento cuidadoso e estética orgânica, atendendo clientes que buscam móveis únicos e soluções de interiores que valorizam autenticidade, funcionalidade e conexão com o espaço.