Entrevista exclusiva com Claudia Furlani para a Revista USE DESIGN – Edição Julho & Agosto 2018
Com um sorriso aberto, muitas pinceladas noturnas e um olhar antropológico, Claudia Furlani traz consigo muitas histórias e reflexões expressas pela arte. A paulistana,que desenvolveu habilidades artísticas desde a infância, aprendidas inicialmente com seu avô, aplica diversas técnicas para compor suas peças: fotografia, colagem, desenho e pintura que refletem a evolução do mundo e suas questões mais profundas. Construindo imagens, contando suas histórias e brincando com as fronteiras da realidade, utiliza truques capazes de transformar o corriqueiro, em algo extraordinário, questionando as convenções e desafiando os limites da criatividade. Nesta edição, entrevistamos uma artista plural, preocupada com o futuro da humanidade e que contribui através da arte, para um mundo melhor.
Revista USE: composição familiar, fale-nos sobre sua infância e amigos. A importância destes, em seu processo criativo e carreira.
Claudia:minha família certamente teve uma forte influência em minha carreira, começando com meu avô que logo cedo me ensinou a desenhar. Lembro de ficar observando ele fazendo diplomas com letras góticas usando canetas de pena e nanquim – sempre a cor preta para as letras e as cores vermelha e dourada para os arabescos. Aquilo era uma obra de arte eu sempre pedia para ele me ensinar a fazer aquelas letras cheias de “rococós”. Mais tarde por volta dos meus 7 anos aprendi com meu pai a revelar fotografias. Como fotógrafo, tinha um laboratório em casa, e me ensinava em um quarto escuro a tirar o filme da máquina, enrolar dentro de um recipiente e revelar. Depois vinha a melhor parte e a que eu mais gostava: mergulhar o papel fotográfico em uma banheira de plástico e balançar a banheira até a imagem aparecer, aquilo para mim era magia pura! Era muito emocionante! Minha avó também teve muita influência: costurando bonecas de pano,onde eu e minha irmã pintávamos seus rostinhos.Recordo também da Erline. Nossa vizinha. (Somo amigas até hoje). Na época, ela já estava formada na Faculdade de Belas Artes, e sempre que eu tinha um trabalho de Artes para fazer para a escola, ela me ajudava, trazia ideias ótimas, e me ensinava a desenhar. Vê-la desenhando, pintando ou esculpindo com tamanha maestria, me deixava maravilhada e eu pensava: quando crescer quero fazer como ela! Um pouco mais tarde, na hora de decidir qual faculdade eu cursaria, minha irmã foi a maior influenciadora, categórica ao afirmar: – Você tem que fazer Artes Plásticas! Nem pense em fazer outra coisa. E eu que pensava em fazer história, mudei de ideia rapidinho.
Revista USE: como você enxerga a sua infância?
Claudia: nessa época tudo era novidade, eu queria experimentar tudo, tanto que minha mãe me colocou para fazer aula de balé, pintura e depois de piano. O balé durou apenas um ano o piano também, mas a pintura se tornou uma paixão e nunca mais abandonei.
Revista USE: qual foi sua primeira obra?
Claudia:nossa faz tanto tempo!Uma pequena tela de 30 x 40cm, pintura a óleo, (comecei a pintar com uns sete anos em um curso de pintura perto da minha casa). Retratava uma paisagem com cactos e montanhas.
Revista USE: quais países suas obras já foram expostas?
Claudia: Nova Iorque, México, Itália, Cuba, Holanda, Miami, Toronto, Argentina e Brasil.
Revista USE: quais suas exposições mais representativas?
Claudia: todas as exposições são únicas, vou citar algumas que me marcaram especialmente pelo local, e pessoas envolvidas: na Itália na cidade de BelfortedelChiente em 2013 noMuseo MIDAC. Em Nova Iorque 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 na Galeria MZ Urban Art., na Caixa Cultural em Brasíliano ano de 2010, e na cidade de Leusden na Holanda, no Museu La Casa Holandesa em 2018.
Revista USE: você desenvolve atividades paralelas à arte?
Claudia:sim! Trabalhei com computação gráfica em agências de publicidade e propaganda, e também com Arteterapia na Escola de Artes da Associação de Medicina, por mais de 10 anos.Fiz diversas capas de livros, palestrei sobre criatividade, ministrei aulas em meu atelier e, em Workshops.
Revista USE: conte-nos sobre seus projetos em desenvolvimento.
Claudia: costumo trabalhar com dois ou três projetos ao mesmo tempo. Em abril deste ano começou minha exposição individual chamada Reconstrução, no Museu La Casa Holandesa na cidade de Leusden na Holanda. Essa série é composta de 17 obras feitas com fotografias e colagens. O tema aborda como será a vida nas cidades no futuro, o caos e a falta de planejamento, gerando um crescimento desorganizado. O intuito dessa série é fazer com que as pessoas reflitamdiversos aspectos que negligenciamos hoje, e os possíveis danos ao futuro da humanidade e aos demais seres vivos. A exposição está sendo visitada também por várias escolas, e o público infantil também participa de palestras que abordam esses temas.
Revista USE: como o artista inova a arte?
Claudia: se a obra do artista convida o espectador a imersão, interagir e a refletir, então ela está desempenhando o papel da arte que é inovar, atualizar, modificar e alterar o pensamento.
Revista USE: como vê as polêmicas que envolvem a fotografia como arte?
Claudia: as polêmicas sempre existiram e infelizmente acho que continuarão existindo por muito tempo. Acredito que são polêmicas sem sentido hoje em dia. Qualquer fotografia não é uma obra de arte, assim como qualquer pintura, escultura, instalação, música, etc., também não!Daí vem a pergunta, então quando uma fotografia ou uma pintura ou qualquer outra coisa é uma obra de arte? Quando ela está em um Museu? Em uma Galeria?Muitos filósofos já discutiram inúmeras vezes sobre o que é arte ou qual o conceito da obra de arte. Para resumir um assunto tão complexo diria que se a fotografia tem criatividade, e provoca algo no expectador então ela funciona no papel de obra de arte.
Revista USE: em sua opinião, a internet ajuda ou atrapalha a arte?
Claudia: ajuda e de muitas maneiras. Ajuda artistas que querem divulgar seu trabalho.Curadores e galeristas que querem conhecer novos artistas. Ajuda as pessoas que gostariam de conhecer tantas obras, mas infelizmente não tem condições. Com a internet as pessoas podem visitar qualquer museu, podem saber mais sobre qualquer artista vivo ou morto, conhecer obrase biografia. Com a internet a Arte não tem mais fronteiras. Antes as pessoas só tinham contato com a arte quando podiam visitar um Museu, uma Galeria ou ir a um espetáculo ou concerto. Hoje temos tudo isso a um click.
Revista USE: o que te levou a utilizar técnicas complementares à pintura, como a colagem e fotografia em suas obras?
Claudia: a curiosidade em primeiro lugar. Sempre gostei de experimentar novas técnicas. Nunca me vi fazendo sempre a mesma coisa e da mesma maneira. Quando era jovem gostava de fazer vários cursos, fui fazer escultura em madeira, depois em argila, curso de papel artesanal, joalheria, mosaico, pintura em seda, macramê, tear, pintura em tela e tantos outros que nem lembro todos. E em cada um deles aprendia algo que podia acrescentar nas minhas experiências. Mais tarde veio a colagem. Comecei fazendo só colagens sobre papéis e depois passei a misturar a pintura com as colagensem seguida as fotografias com as colagens e as pinturas. E pretendo continuar sempre experimentando.
Revista USE: de forma geral, como você vê o momento cultural atual?
Claudia:gostaria que em nosso país a cultura fosse muito mais apreciada, divulgada, e principalmente incentivada. Há incentivo, mas ainda é muito pouco. Temos diversas exposições e espetáculos acontecendo nas grandes cidades, mas infelizmente ficam apenas nas grandes cidades e nem todos são gratuitos, aliás a maioria é pago,o que piora ainda mais a situação. As escolas deveriam criar mais projetos culturais para as crianças e os jovens.
Revista USE: para você, a arte está mais presente na vida de pessoas jovens ou maduras no Brasil? Explique como você vê esta questão.
Claudia: no panorama atual acredito que a arte está mais presente na vida das pessoas mais maduras. Os jovens vão mais a cinema ou shows, (na faixa de 15 a 20 anos mais ou menos). O consumidor jovem que ainda não trabalha não tem condições de ir a espetáculos, teatro etc. E acho que mesmo os mais madurostambém gostariam de poder frequentar muito mais os eventos culturais, mas a renda muitas vezes não permite.
Revista USE: O que a sua arte reivindica? Qual a mensagem que deseja passar as próximas gerações?
Claudia: procuro fazer com que a minha arte provoque o espectador a descobrir um mundo lúdico. O conteúdo lúdico é muito importante na aprendizagem. Fundamental incutir nas crianças a noção que aprender pode ser divertido. Todas asiniciativas lúdicas potenciam a criatividade, e contribuem para o desenvolvimento intelectual. Uma obra lúdica é capaz de divertir, instigar, entreter, aguçar e dar prazer ao expectador. E quanto mais prazer este tiver diante de uma obra mais vontade ele terá de continuar visitando e frequentando eventos culturais.
Revista USE: opinião: a arte moderna está industrializada? Explique.
Claudia:como a Arte Moderna surgiu no final do século XIX e continuou até metade do século XX, foi influenciada diretamente pela revolução industrial, na fotografia, no cinema. Houve a mudança do pensamento dos artistas, que buscavam um rompimento das regras. O novo estilo não era mais a representação do real. Os arquitetos, designers e ilustradores passaram a se preocupar com a funcionalidade da arte e o modo de vida das pessoas era a maior preocupação.
Revista USE: conte-nos sobre suas fases como artista.
Claudia: mudo constantemente de fase, pois não consigo trabalhar sempre com o mesmo tema ou a mesma técnica. Preciso sempre viajar para mudar de ares, para ver coisas novas me inspirar, conhecer outras culturas, pessoas, museus, galerias, tudo influencia meu trabalho. Tem fase em que gosto de trabalhar apenas com colagem, depois passo para a fotografia, depois mudo para outra técnica, unindo fotografia com manipulação digital. O processo é sempre dinâmico.
Revista USE: ensinar ou criar?
Claudia: os dois, pois seria difícil separar um do outro. Quanto mais eu ensino mais eu aprendo e quanto mais eu crio mais eu ensino a mim que a criatividade não tem limites e assim posso sempre continuar criando.
LINHA DO TEMPO CLAUDIA FURLANI