Arquiteta expressa a metáfora da eternidade através de memorial como forma de acolher famílias que não conseguiram viver o luto de suas perdas
A humanidade está vivendo mais um momento único em sua história, e entre tantos agravantes, a perda de familiares e pessoas queridas, tornou-se ainda mais dolorosa para quem fica, por não poder viver o luto em sua totalidade. Em meio à crise imposta pela pandemia, a arquiteta Crisa Santos, à frente do Coletivo Crisa Santos Arquitetos, especializado em neuroarquitetura e responsável por ressignificar espaços em cemitérios públicos e privados, criou um projeto chamado Memorial In-Finito, com o objetivo de fazer uma homenagem às vítimas da Covid-19 às famílias e amigos que não puderam se despedir dos seus entes de forma plena e com respeito ao tempo necessário, através das cerimônias de despedidas– um dos ritos simbólicos mais importantes para os enlutados.
O memorial In-finito nasce após Crisa vivenciar cenas comoventes durante suas visitas técnicas aos cemitérios que atende. Uma delas foi de uma família que ficou no cemitério até o fim do dia, após o sepultamento de um parente. Ao perguntar se eles precisavam achar a saída, eles responderam que precisavam estar presentes. “Outro momento definitivo na decisão de criar o memorial foi um dia que encontrei um rapaz que se dizia sufocado, por não poder expressar seu amor pela mãe que acabara de falecer. Ele falava que precisava de liberdade, e senti nessa hora, a urgência do luto, a necessidade de comungar com os familiares e amigos essa dor”, conta a profissional.
“Uma vida não termina. Não se apaga. E como poderia? Todo um desenlace de vivências, experiências e conquistas não desaparece. A cronologia iniciada com o choro do nascimento e regada por um turbilhão de emoções é sagrada. É feita de aprendizados, percepções, elos e encontros” explica Crisa.
“Na partida, em meio à dor, celebra-se a existência. O velório é um dos ritos culturais da assimilação da despedida, da autorização simbólica para vivenciar o luto e cultivar a saudade. Com a pandemia que por ora nos envolve, as vidas interrompidas são invisibilizadas pelo distanciamento social e negação aos velórios. A ausência da cerimonialização da perda abre lacunas que aprofundam o sofrimento: impede a última contemplação, o aceno, a palavra final no transbordamento do afeto”, completa.
Assim surgiu o Memorial In-Finito, que homenageia as vidas cerceadas pela Covid-19. Ele expressa, na escultura fluida, uma metáfora à eternidade. O formato modular é múltiplo na adoção dos desenhos em espiral, linha e círculo, ancorados nos significados de perenidade e completude. Molda-se conforme a dimensão das áreas e transmite a organicidade e o movimento inerentes à trajetória do viver. A alternância dos módulos dá vida a bancos, altares e portais no tom terroso do aço oxidado que invoca o pertencimento ao mundo.
Idealizado a céu aberto, o memorial integra-se à natureza e convida pessoas de todas as idades a sentar, deitar ou contemplar o entorno. Ele foi pensado para ser um espaço de acolhida, reencontro, reflexão e cerimônias para abrigar o luto tardio, silenciado e sufocado. Os nomes gravados na extensão da chapa metálica são uma pronúncia vital das vítimas. “Elas continuam sendo um amor sem fim, um colo terno, um abraço apertado, uma voz carinhosa. Vidas infinitas na memória”, comenta a arquiteta.
O projeto criado será doado para empresas e espaços públicos e privados que queiram de alguma forma, homenagear a perda de vidas de familiares, moradores de uma cidade ou estado, colaboradores de empresas, cemitérios e memoriais. Para obter a cessão do projeto é necessário entrar em contato com o Coletivo Crisa Santos Arquitetos, por telefone ou e-mail.
Serviço:
Coletivo Crisa Santos Arquitetos
Tel:11 97620-0344 e 11 98283-9853
E-mail: crisa.santos@crisasantos.com.br
Por Juliana Victorino
Imagem: Divulgação